Apesar da fama de hospitaleiro, baiano não está disposto a hospedar turista estrangeiro

Acolhedor, simpático e hospitaleiro. Depois de uma rápida pesquisa no Google, essa é a descrição que um estrangeiro que quer se aventurar em Salvador encontra ao visitar  sites de turismo. E, diga-se, é o que nós também adoramos espalhar por aí. Contudo, se o tal estrangeiro for procurar alguém para recebê-lo na capital baiana, pode se preparar para uma possível decepção. Para alguns baianos, o gringo pode dormir em qualquer lugar, desde que seja fora de sua casa.

A dificuldade em encontrar gente disposta a hospedar estrangeiros se traduz em sufoco para as empresas que trabalham com isso. A AFS Intercultura, por exemplo, ONG especializada em intercâmbios e que constantemente precisa procurar famílias dispostas a hospedar estrangeiros por aqui, tem hoje apenas seis estudantes em Salvador. “Alguns comitês no interior chegam a conseguir 20, mas Salvador não tem quase nada”, lamenta a presidente da ONG, Lêda Paraguassu.


Lêda acredita que o fato de não haver pagamento como recompensa pela hospedagem diminui, ainda mais, o número de interessados. “Outro problema é que, às vezes, as pessoas querem receber gente de países como Alemanha, Itália, Estados Unidos. Se tem alguém de um país mais exótico, como a Tailândia, as famílias recusam. Infelizmente, ainda tem gente que vê os estrangeiros como brinquedinhos”.

Sofia Greve, diretora de intercâmbios estudantis da Aiesec, outra organização que trabalha com intercâmbios, destaca a dificuldade de conseguir famílias voluntárias para receber estrangeiros por alguns meses.

“Estamos para receber 54 trainees e é muito difícil. A gente oferece o programa, mas acaba pedindo favor para as pessoas hospedarem”, conta ela, que hoje tem um colombiano hospedado em sua casa, esperando por um lugar.

Aqui não
Se depender da universitária Rita de Cássia Martins, 19, intercambistas passam bem longe de sua casa. Quando sua irmã, a estudante de Psicologia Viviane, 20, decidiu que queria hospedar um estrangeiro, houve um impasse.

Rita diz que não entende o motivo do interesse da irmã. “Sei que uma experiência como essa é enriquecedora culturalmente, mas posso ter isso em outros lugares, como na faculdade, curso de línguas. Em qualquer lugar com estrangeiros, menos na minha casa. Não preciso ter um vivendo comigo”, pondera ela, que mora em Santo Inácio.

Ainda assim, a irmã mais velha se cadastrou em uma das agências que oferece o serviço. Já na fase de espera pelo intercambista, porém, ela mesma desistiu. “Hoje, com a minha rotina desgastante, não quero mais hospedar, por enquanto”.

A situação não foi muito diferente para a estudante de Arquitetura Carina Macedo, 20. Quando um amigo recebeu um estrangeiro em casa, Carina quis que a família fizesse o mesmo, mas a mãe proibiu.

“Sei que ela tem medo da pessoa que vem de fora, além da questão da privacidade. O pior é que, se você perguntar, ela vai dizer que hospedaria de braços abertos, mas é mentira”, diz.

Para a mãe de Carina, a professora Ana Maria Macedo, o receio é encontrar alguém com hábitos muito diferentes dos seus. “Como sou muito conservadora, tenho medo de não conseguir lidar com isso ou até influenciar meus filhos”, diz.

Diferenças
A  psicóloga intercultural Gabriela Ribeiro, do Instituto Andrea Sebben, que acompanha intercambistas, diz que há uma grande diferença entre as famílias brasileiras e as estrangeiras.

 “Aqui há um excesso de zelo que torna (hospedar) muito cansativo. As mães acordam, fazem café da manhã, levam para a escola”. Quem vai para o Canadá ou Estados Unidos, por exemplo, para a psicóloga, tem muito mais independência. “Ninguém acorda o intercambista. Ele que cuida da própria vida”.

Para Gabriela,  a hospitalidade brasileira é superficial. “Existe uma teoria que compara os brasileiros a um abacate. Para construir um relacionamento, é muito fácil, muito mole. Mas temos dificuldade em deixar que entrem em nossa intimidade, que é restrita à família. Somos duros como o caroço”. Culturas como a europeia e americana, segundo a psicóloga, seriam como um coco. “É difícil entrar na intimidade deles, mas tão logo acontece, você não sai mais dali. Já nós nos esforçamos para que a pessoa se sinta bem só no momento do encontro”.

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