Oná Rudá | A LGBTfobia de cada dia: o que podemos aprender com o BBB

 

Oná Rudá | A LGBTfobia de cada dia: o que podemos aprender com o BBB
Crédito da Foto: reprodução/TV Globo


O BBB trouxe para o centro do debate a questão da LGBTfobia e acabou se tornando uma possibilidade de a gente discutir essa violência no cotidiano. Muitas coisas que têm acontecido na casa do Big Brother Brasil e causado revolta não são ações isoladas... São coisas que acontecem no nosso dia a dia.

Dá pra gente refletir isso além do jogo. A LGBTfobia não é algo que vem sempre com um tapa ou um xingamento; nem sempre vem dizendo que aquela postura de exclusão ou cancelamento de uma pessoa é por conta dela ser LGBT. Então, podemos estar sendo violentos sem perceber, ou, estarmos perto de alguém que está passando por isso e não oferecer instrumentos e ferramentas para que ela supere essa violência.

Quando Gilberto (participante do reality) diz que nunca namorou com um homem, só mostra o quão complexo é o universo da afetividade LGBT. É muito violado, agredido e negado. A afetividade LGBT ainda provoca nas pessoas umas certa repulsa, e isso é interessante, porque algumas pessoas até conseguem se solidarizar quando veem algum tipo de violência, mas quando vêem a afetividade, não conseguem.

Não tenho dúvidas de que, se Gilberto tivesse sofrido de violência direta na casa, como um xingamento, os brothers poderiam até reagir, mas como se tratou de um beijo, um afeto, e também de outras circustâncias, muda um pouco. Isso também fala de humanidade e de direitos.

Outra coisa que podemos perceber é que Gilberto era bem querido por todo mundo enquanto estava concordando e fazendo o que achavam que devia ser feito. Quando ele mostra uma outra perspectiva pro jogo, quando ele imaginou que estava sendo muito pesado o que Karol Conká tava fazendo e que a popularidade dela, aqui fora, poderia estar muito ruim, enfim... quando ele quis jogar e apresentar uma outra leitura de jogo, virou monstro. As dancinhas perderam a graça, ficou chato. Ele foi nitidamente isolado e se tornou alguém na mira dos outros "brothers".

É muito preocupante perceber que as pessoas não se dão conta, de que elas estão ali num processo de reprodução constante de uma violência. No momento que ele saiu de uma caixinha, tornou-se um "potencial inimigo a ser batido" e começou a ser pressionado. 

E aí quando vemos falas como a de Rodolffo, também confinado no programa, que gosta dos gays "que fazem ele rir", percebemos o quanto isso é perverso, porque não somos humoristas. É um mecanismo de defesa, porque, em geral, somos tratados com muito peso. Presenças de pessoas LGBT são rejeitadas o tempo inteiro. Não à toa, vivemos em uma sociedade em que a ausência é a principal marca dos nossos corpos. Estamos ausentes dos espaços de poder, da educação e, em se tratando da comunidade LGBT negra, é um abismo social que a gente vive no Brasil, então não dá para esperar que essas pessoas sejam "humoristas" e fiquem fazendo a gente dar risada. Não é por aí. Tem muita gay que é engraçada, mesmo, que é também uma marca bonita, essa alegria, só que não é uma condição obrigatória.

Indo para o caso de Lucas Penteado (participante que desistiu do reality esta semana) - que é um jovem que chegou no BBB, cometeu falhas, até pela empolgação e sede de jogo -, ele não teve a oportunidade de ser acolhido quando cometeu um erro, e de ter as suas reflexões validadas. Ele não foi cancelado, ele foi anulado. Tratado como lixo. Assumir a bissexualidade foi uma coisa tenebrosa. O afeto dele e de Lucas foi questionado por todo mundo, como nenhum outro beijo foi. Depois, vieram os comentários de Rodolffo, a postura de Lumena, Karol... Esse questionamento do afeto, como se fosse algo não genuíno, meramente estratégica, também é tirando uma humanidade desses corpos e do direito desse afeto. E a luta contra a LGBTfobia fala justamente sobre isso, sobre afeto, direitos, vida plena, pessoas poderem simplesmente existir.

O que a gente está vendo na casa do Big Brother é como o preconceito vai atuando nas entrelinhas do dia a dia. Quantas pessoas passam por isso no cotidiano? Quantos espaços que vocês frequentam não tem pessoas LGBT e ninguém percebe? É importante que a gente reflita - muito - sobre esse tipo de violência, sobre como ela ceifa vidas, perspectivas, e como ela desencoraja as pessoas. 

A questão é acolher para construir um mundo melhor. É disso que se trata. Não podemos mais viver em um mundo que nega afeto, humanidade, vida plena, direitos... isso mata. LGBTfobia mata.

ONÃ RUDÁ

Onã Rudá é nordestino, filho de Odé, militante anti-racista e LGBTQIAP+. Ele também é midiativista e fundador da Torcida LGBTricolor, do Bahia.

*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On

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