'Pegou meu filho na covardia, foi premeditado', diz mãe de barbeiro morto no Imbuí

 

A perda inesperada do barbeiro Lucas Souza de Araújo, 29 anos, deixou um vazio no peito da manicure Valdeci de Jesus Souza, 45. Parte dela morreu junto com o filho primogênito, assassinado em 24 de janeiro, ao lado da Barraca do Zurca, na Praça do Canal, no Imbuí. Dor, desespero, raiva, tristeza e amargura foram as emoções imediatas de dona Valdeci quando soube da morte do filho. Até então, a mãe manteve o silêncio para lidar com a dor da perda. Mas,  decidiu quebrá-lo para conversar com o CORREIO. 

Evangélica, dona Valdeci recebeu a reportagem em  casa. Por questão de segurança da família, o endereço dela não será divulgado. Visivelmente abatida, a manicure contou como recebeu a notícia da morte do filho e falou que se ficasse cara a cara com o autor dos disparos contra seu filho - o advogado José Geraldo Lucas Junior, 27 anos, que está preso junto com outro envolvido no crime, ela perguntaria porque ele matou o rapaz da forma como fez, sem que ele tivesse sequer direito a se defender. 

Dona Valdeci falou ainda sobre a sua fé em Deus e na justiça dos homens. E revelou ter medo de uma represália do autor, pois tem outros dois filhos, sendo que um deles. Lauro, estava com Lucas na hora do crime.

Durante a entrevista, dona Valdeci esteve na companhia da nora, Marisa Monteiro, 30, com quem Lucas teve uma menina de 8 anos e um menino de apenas 4. No dia do crime, Marisa também estava com o marido, o cunhado Lauro e a cunhada. Quando as duas  levantaram para ir ao banheiro, um dos suspeitos teria 'mexido' com Marisa. Lucas então se aproximou para tirar satisfação e os dois discutiram. Quando Lucas e a família já se preparavam para ir embora, o advogado apareceu armado e atirou. 

José Geraldo  é acusado de disparar três vezes contra Lucas. Ele e seu cúmplice, de prenome Jean, estão presos  por 30 dias, podendo o prazo ser prorrogado por mais 30. 
“Mas, juntamente com a autoridade policial, estamos pressionando pela prisão preventiva, que é a prisão que não tem prazo, por já existirem  requisitos, que são os indícios de autoria e materialidade do crime. Além disso, o fundamento para garantir a ordem pública, porque foi um crime que teve um clamor público, que horrorizou a nossa sociedade”, disse Marcus Rodrigues, o advogado da família de Lucas. 

Rodrigues disse ainda que o motivo do crime foi fútil e ele acredita que a tese da defesa dos acusados de legítima defesa não surtirá efeito. “O homicídio é um crime hediondo, grave, a motivação foi torpe, fútil, não deu sequer a chance de defesa e a gente aguarda que seja feita justiça. A alegação da legítima defesa não tem como prosperar, porque as vítimas, todos os quatro que estavam naquele momento, inclusive o Lucas, que morreu,  foram vítimas dele, uma vez que, em momento algum, partiu uma agressão ilícita por parte da família e de Lucas”, declarou Marcus Rodrigues.  

Ainda de acordo com o advogado da família, todas as testemunhas já foram ouvidas, assim como os acusados,  interrogados.  
“Aguardamos o retorno das perícias de pólvora, balística, exames da arma e  toxicológico, que ainda não tinham chegado, para  o delegado encaminhar o inquérito ao Ministério Público”.


Lucas tinha 29 anos

A seguir, confira a entrevista com dona Valdeci:

Como a senhora soube da tragédia com seu filho? 
Eu não estava aqui, estava no interior. Tinha viajado na terça-feira [19 de janeiro, antes do dia do crime]. Estava falando com ele no WhatsApp todos os dias. No domingo, tinha falado com ele. Ele disse: "vou à praia com a minha família". Quando foi mais tarde, o meu outro filho, Lauro, mandou a foto de Lucas e minha nora se beijando. Eu disse: "que bom que vocês dois estão juntos, mas não demorem aí, não. Vão logo para casa". E ele respondeu: "sim, minha mãe, não vamos demorar". Depois, ele enviou uma mensagem do celular do irmão, Lauro, dizendo: "ô coroa, como a senhora está é bonita nesta foto do WhatsApp. Eu te amo". Foi a última coisa que ele falou para mim. Quando foi lá para umas 22h30, estava no interior sentada, que minha família tem um ponto de acarajé, aí recebi a notícia da minha outra nora, que mataram Lucas. Aquilo foi um desespero para mim. Meu chão abriu.

O que a senhora fez depois da notícia?  
Não tive condições de vir imediatamente e liguei às pressas para o meu marido e mandei ele ir até o local, para ver se o meu filho estava morto mesmo. Quando chegou lá, ele disse que ele estava sendo medicado pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Ainda tinha esperança, ainda orei ao Senhor, ajoelhei, disse: "ô, Deus, dá mais uma oportunidade de vida. Pai, dá misericórdia, não deixa meu filho morrer, não". Mas, ele já estava morto. Assim que caiu, não teve condições de mais nada, nem de respirar. Estava morto.  Foi terrível.

Seu filho foi enterrado na cidade de Santa Inês. Era um desejo dele?   
Ele sempre falava: “minha mãe, se um dia eu morrer, me traga para o interior. Não me enterre em Salvador, não". A família toda é de lá. Então, como eu já estava no interior, resolvi não ir para Salvador na hora, para fazer valer a vontade dele. Aí, fiquei aguardando o corpo chegar. Foi um desespero, porque fiquei sabendo que o tiro que ele deu em meu filho foi fatal, no coração. Ele foi um miserável, porque quem tem Deus no coração não faz isso. Ele pegou o menino desprevenido, praticamente pegou o meu filho na covardia. Foi premeditado. Bateu no irmão e sabia que o outro ia defender. Quando o outro veio, ele matou. Destruiu toda a nossa família. Não foi legítima defesa.

A senhora nunca imaginaria que  algo assim pudesse acontecer... 
Pela criação que eu dei a eles, nunca pensei disso acontecer. Criei homens de bem. Sempre disse a eles para não se meterem com quem não vale a pena. Ele sempre me obedecia. Tudo que eu falava, ele me ouvia. Ele temia esse tipo de coisa. Não gostava de muitas amizades. Ele sempre me ouvia. Só andava com a família, com os parentes, sempre com alguém de confiança. Para onde ía, mandava uma mensagem avisando onde estava, mandava foto. Era um homem de bem e um maldito tirou a vida de meu filho.

A dor que a senhora está sentindo é indescritível... 
É como se tirasse um pedaço de mim. Meu primeiro filho, meu primogênito. É uma dor que não vai cessar nuca. Levaram o meu Lucas, mataram o meu Lucas. Estou pedindo forças a Deus todos os dias. Quase não durmo ou me alimento direito. A família tem vindo aqui todos os dias. Às vezes penso que nada disso aconteceu, que estou em um pesadelo. Quando não vejo ele entrar, quando vejo que não tem uma ligação, uma mensagem, porque ele falava comigo todos os dias, perguntava se eu estava bem... Só peço a Deus que me console, porque não é fácil. Não vou questionar Deus, mas não está sendo fácil.  

A senhora se sente vítima também dessa violência? 
Ele [o advogado José Geraldo] não tirou somente a vida do meu filho, acabou com a nossa família. Nós também somos vítimas dessa violência. Agora, temo pela vida do meu outro filho. Ele tirou a foto dele lá, na hora. A gente tem medo. A gente está com medo de sair na rua, porque a gente não sabe o que podem fazer contra nós. 

No dia em que os acusados chegaram ao Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), a senhora desmaiou. Foi  por ter visto o autor dos tiros? 
Não cheguei a ver ele [José Geraldo].  Nunca imaginei que meu filho fosse morrer assim. Ele não merecia isso. Não aguentei de tanta dor e acabei desmaiando. 

Por que a senhora acha que as pessoas matam com tanta facilidade?
Porque elas não têm Deus no coração. Quem crê em Deus não faz isso. É muita falta de amor ao próximo.

Quando a senhora vê o rosto do criminoso, o que vem à sua mente? Se pudesse ficar cara a cara com ele, o que diria?
Não tenho nem palavras para falar... A minha vontade era de ver ele e dizer que matou a sangue frio! E perguntar porque ele fez isso com o meu filho.  

O vídeo que registou o crime foi divulgado. O que sentiu com a divulgação dessas cenas?  
Revolta. Meu filho estava de costas, no celular. Ele premeditou tudo. Fiquei muito nervosa com aquilo. Meu filho não imaginava que esse criminoso estava com uma arma.

A senhora crê na justiça?
Sim. Quero que ele permaneça preso. Quero que ele não saia nunca mais da prisão. Sei que nada aqui vai curar a minha dor, só Deus para confortar meu coração. Mas ele precisa pagar pelo que fez.

Quais as lembranças que a senhora carrega de Lucas? 
Tenho muitas lembranças boas de meu filho. A melhor foi quando ele nasceu, meu pequenininho, a coisa mais linda. Quando ele veio até mim, disseram que ele era homem. Até hoje é a melhor lembrança do meu filho. A gente tinha as nossas desavenças, mas a gente se amava. O melhor presente que Deus me deu foi ele, meu primogênito. Ele [José Geraldo] tirou de mim, o que eu mais amava. Nunca imaginei meu filho morrer dessa forma. Sei que um dia todos nós morreremos, mas não assim. E ele sempre falava pra mim: "coroa, quem vai cuidar da senhora sou eu, seu filho mais velho". Ele era o mais velho e sempre defendia os irmãos, sempre estava junto. Abraçava, dizia que amava a todos. Sempre usava as mesmas palavras de amor.

 

Viúva diz que tiros foram dados ‘a sangue frio’

Marisa Monteiro, viúva de Lucas, ainda se desespera ao lembrar do crime. Ela estava com o marido, juntamente com o cunhado e a cunhada, quando tudo aconteceu. “Quando vem aquela cena em minha cabeça, eu lembro daquilo tudo. Eu fiz de tudo para tirar meu Lucas de lá quando vi aquele cara procurando problema. Não deu tempo de a gente sair de lá. Estou tentando ter forças”, disse Marisa, que estava ao lado da sogra  quando dona Valdeci aceitou conversar com o CORREIO.

De acordo com ela, José Geraldo planejou o crime. “Ele engatilhou a arma, provocou Lauro com um soco e atirou. Era para ser os dois. Ele ia atirar em Lauro, Lucas ia se meter e aí, ele ia atirar em Lucas também. A intenção dele era fazer um assassinato completo ali. Ele estava armado, calculando tudo intencionalmente, ele matou a sangre frio. Ele sorria a todo momento”, disse.

Segundo Marisa, nos primeiros dias após o crime, os filhos ficaram sob cuidados de parentes. “O de 4 anos pergunta pelo pai. Eu digo: 'ele virou uma estrela agora'. E ele pensa que à noite o pai dele estará lá [em casa]. A menina, que entende mais, no dia do velório, lá em Santa Inês, disse: ‘mãe, seu rosto está inchado. Vá para casa, deixe que eu fico com o meu pai’. Ela sabe que ele morreu, mas quer entender o motivo”, conta Marisa.

Ela recorda ainda que, na noite do crime, houve muita correria na barraca onde o caso aconteceu. Lucas foi baleado na cabeça e no peito. De acordo com a 39ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Boca do Rio), o Centro Integrado de Comunicações (Cicom) acionou policiais militares da unidade após informações de disparos de arma de fogo no Imbui.

Correio 24 horas

 



 

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