Bahia teve 74 chacinas em apenas dois anos,aponta pesquisa

Foto Bruno Wendel

 

Na Bahia, nos últimos dois anos, 165 pessoas morreram nas 74 chacinas que aconteceram no estado. O balanço foi identificado pela Rede de Observatórios de Segurança e divulgadas na quarta-feira (21) no relatório a vida resiste: Além dos dados da violência. 

Os números mostram que, dentre os cinco estados pesquisados, a Bahia perde apenas para o Rio de Janeiro no número de chacinas realizadas e vítimas. O estado fluminense teve 92 crimes do tipo com 388 mortes.  

Os outros estados onde a rede está presente são Ceará, Pernambuco e São Paulo. Esse último tem a menor quantidade de chacinas entre junho de 2019 e maio de 2021. Foram 16 ocorrências do tipo, com 61 óbitos. De acordo com Luciene Santana, cientista social e pesquisadora de rede através da Iniciativa Negra, uma chacina ocorre quando há a morte de três pessoas ou mais numa mesma ação. 

Ela acredita que o fato do estado ter tantos crimes do tipo está relacionado com a forma como tem se organizado a política de segurança pública. “Em muitas operações policias morrem três pessoas mais. A Bahia sempre está em destaque na letalidade policial”, diz.  

No mesmo relatório, entre os estados nordestinos pesquisados, a Bahia registrou o maior número de mortes (461) em operações policiais nos últimos dois anos. Das 74 chacinas identificadas, 28 foram causadas por policiamento, quatro por conflitos entre grupos rivais e as demais 42 não tiveram a motivação do crime informada.  

“No ano de 2021, o número de mortes em operações policiais aumentou muito. Em outros homicídios também cresceu. A que se deve isso na Bahia? Falta de política de prevenção da violência. É a dificuldade para entender que segurança pública não é só tarefa da SSP. Tem que ser uma ação interligada com as pastas da Saúde, Educação, Moradia, dentre outras”, explica. 

Para fazer o estudo, a rede confere diariamente dezenas de veículos de imprensa, coleta informações e alimenta um banco de dados que posteriormente é revisado e consolidado. O CORREIO é um dos jornais consultados pelo grupo na pesquisa. A escolha por essa metodologia é causada pela dificuldade dos pesquisadores em conseguir dados oficiais sobre o assunto.  

“Há dificuldade na obtenção dos dados de segurança pública. Os oficiais, principalmente na Bahia, não são divulgados. Os pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) que enviamos não foram respondidos. E para entender o assunto é preciso dados. Se o governo não divulga, a sociedade civil produz dados e de forma confiável. Acessamos diariamente dezenas de jornais para catalogar”, relata Luciene. Como nem todos os casos de violência chegam aos jornais, o grupo admite a possibilidade dos números serem subnotificados.  

Especialista aponta guerra de facções como gerador de chacinas.  

Para o coronel Antônio Jorge, especialista em segurança pública e coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia, o número de chacinas na Bahia está relacionado com a disputa entre facções para o comando de áreas controladas pelo tráfico de drogas. No caso do estado, Jorge destaca que as facções locais estão ligadas ao Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC), grupos rivais.  

“Vivemos um momento atípico de disputa entre PCC e CV através das facções locais. Normalmente, essas chacinas estão relacionadas com tráfico de drogas. Alguém está devendo e, até mesmo para o tráfico mostrar sua força, faz a chacina como uma forma de ganhar prestígio no mundo do crime”, aponta.   

Para combater esse cenário e diminuir os números de violência, o especialista acredita que não são necessárias apenas políticas de combate ao tráfico de drogas. “Existe uma certa cultura da impunidade. Nós precisamos fortalecer nosso sistema judiciário para ser mais ágil nos julgamentos e investir no sistema previdenciário para que cumpra seu papel de intimidar, conter, punir e ressocializar os criminosos”, aponta.  

O tráfico de drogas, inclusive, é o motivo que mais geram operações policiais na Bahia. Segundo o relatório da rede, 35,8% das ações de policiamento foram motivadas pela repressão ao tráfico. Logo depois vem outros flagrantes (33,8%), cumprimento de mandato (9,4%) e operações patrimoniais (7,7%).  

Para melhorar os números, Luciene Santana defende uma reformulação na segurança pública. “Para evitar chacinas realizadas pela polícia, é preciso que as operações sejam feitas de modo que não produzam mais essa quantidade de mortes. Nos outros casos, é preciso trabalhar a prevenção dos crimes, principalmente nos locais onde eles mais ocorrem, que são os bairros periféricos”.  

Para especialista, Bahia segue modelo de operações policiais realizadas no RJ  

“Os dados da Bahia são muito alarmantes e nós observamos que existe uma semelhança no desenho de segurança pública do nosso estado com o Rio de Janeiro, que tem um modelo fracassado, focado em operações policiais com alta letalidade. A Bahia segue esse modelo violento que não dá resultado, pois o tráfico de drogas, homicídios e tiroteios continuam acontecendo”, argumenta Luciene.  

Na semana passada, foram divulgados os dados do anuário 2021 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que mostram que, na Bahia, só em 2020, foram 1.137 óbitos causados por policias dentro ou fora de serviço, o que é 47% maior do encontrado em 2019, quando 773 pessoas foram mortas pelos agentes de segurança. Esse aumento é superior aos 0,3% de leve crescimento registrado na média nacional.  

Alguns locais do país conhecidos pela letalidade policial, isto é, a frequência com que ocorrem mortes de civis em função de ações policiais, como o Rio de Janeiro, tiveram redução em 2020 no número de óbitos por intervenções. No estado fluminense, essa queda foi de 31,8%. Lá, cerca de 1,2 mil mortes foram causadas por policiais em 2020, o que representa 7,2 mortes para cada 100 mil habitantes. Já na Bahia, a taxa de mortalidade é de 7,6, deixando o estado como o quarto com mais violência policial, atrás apenas de Amapá, Goiás e Sergipe.   

“Quando a gente fala em ações policiais, a gente imagina que haja planejamento para evitar mortes. Mas, infelizmente, a maior marca que se destaca na polícia da Bahia é a letalidade. O Rio de Janeiro, onde esse sistema já se mostra como falido, conseguiu ser menos letal que a Bahia”, destacou Luciene.  

Procurada pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia respondeu aos números através de uma nota. “A Secretaria da Segurança Pública informa que não existe estatística de chacinas, pois, essa modalidade criminosa não está inserida no Código Penal. Sobre os múltiplos homicídios, na sua maioria relacionados às disputas entre organizações criminosas, a pasta ressalta que as polícias Militar e Civil desempenham ações diárias para combater essa prática ilícita".

Motoristas de aplicativo: Em 13 de dezembro de 2019, quatro motoristas de aplicativos foram encontrados mortos, com sinais de golpes de facão, na comunidade Paz e Vida, no bairro da Mata Escura. Os corpos foram encontrados enrolados em sacos plásticos, numa área de vegetação da localidade, a poucos metros de um barraco, onde as vítimas foram mantidas em cárcere privado, torturadas e depois executadas. Um quinto motorista conseguiu escapar dos criminosos e relatou à polícia que todas as vítimas foram atraídas ao local para uma emboscada após atenderem ao chamado de duas travestis, que solicitaram as corridas para a comunidade. Lá, as vítimas foram rendidas uma a uma por três homens ainda não identificados. 

Dos que participaram no crime, quatro foram mortos: Antônio Carlos Santos Carvalho e Marcos Moura de Jesus morreram em confronto a Polícia Militar, em Itinga, na noite do crime. Outros dois, segundo a SSP-BA, um adolescente de 17 e Jéferson Palmeira Soares Santos, mais conhecido como Jel, foram encontrados mortos dias após a chacina. Já uma travesti identificada como Benjamin Franco da Silva, 25 anos, conhecida também como Amanda, foi presa. 

Praia de Jaguaribe: No dia 5 de janeiro de 2021, na praia de Jaguaribe, em Salvador, suspeitos desceram até a areia e dispararam contra um grupo de amigos que estava no local. Durante a ação, várias pessoas que estavam na praia começaram a correr e acabaram sendo baleadas. O alvo do atentado era Lucas Santos da Cruz, de 27 anos, que morreu na hora.

Outras duas pessoas, que não tinham envolvimento com Lucas, acabaram sendo mortas: a jovem Juliana Celina da Santana Silva Alcântara, de 20 anos, que era estudante de biomedicina na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, e Igor Oliveira Lima Filho, 16 anos. Pelo crime, quatro pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público da Bahia: Caio Catarino, Felipe Moreira, Paulo Damasceno e Iuri Brito.  

Vila Canária: Em frente à uma igreja, ainda havia taças quebradas e copos plásticos misturados ao sangue no asfalto – eram resquícios de uma noite que dificilmente será esquecida por moradores de Vila Canária. Quatro homens foram vítimas de uma chacina no dia 24 de maio de 2020, entre eles Carlos de Jesus dos Santos, 39 anos. Moradores relataram que ele foi baleado porque não teve reação para correr - os criminosos ordenaram que todos deixassem o local, com a exceção de dois irmãos e um outro homem, suspostamente alvos do grupo.

Carlos trabalhava num açougue em Pernambués e namorava a mãe dos irmãos Érico e Erick Santos de Jesus, 27 e 35 anos, respectivamente, também vítimas da chacina. “Os irmãos e o amigo já estavam deitados no chão a pedido dos bandidos, que antes de atirar mandaram as outras pessoas correrem. Mas Carlos ficou parado. Ele era do interior e não estava acostumado com essas coisas. Os demais foram baleados deitados e Carlos estava em pé quando levou um tiro na cabeça de um dos criminosos na hora da fuga”, contou uma parente dos irmãos assassinados. 

Serra Preta: Quatro jovens com idades de 19 a 26 anos foram mortos em uma chacina na zona rural de Serra Preta, na Bahia, no dia 20 de outubro de 2020. As vítimas foram Einan Duarte, 19 anos, Eiran Duarte, 21 anos, Kelvys Silva Santana, 19 anos, e Dêivid Luis dos Santos, 26 anos. De acordo com o informado na época pela Polícia Militar, as vítimas foram achadas com mãos e pés amarrados no distrito do Bravo, já próximo à cidade de Ipirá. Eles foram mortos a tiros. A Polícia Civil afirmou, também na época, que os quatro seriam membros de uma quadrilha de tráfico de drogas na região.

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