Governo da Bahia entra em rota de colisão com construtora após atrasos e falhas de segurança em obras de delegacias

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Atraso na execução de serviços, baixo efetivo de mão de obra e não utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) por parte dos colaboradores. Todos esses motivos fizeram o governo da Bahia, no dia 15 de fevereiro deste ano, proibir a construtora Ebisa Engenharia de firmar contratos com o Estado por 30 meses (dois anos e meio).

No entanto, a punição foi revogada em 29 de abril, após a empresa baiana entrar com uma liminar na justiça contra a gestão estadual alegando 'abuso de poder'. A BNews Premium investigou que, apesar de não possuir efeito retroativo — ou seja, não impugnar contratos já firmados —, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Conder) rescindiu três contratos com a empresa, gerando um rombo de R$ 15,9 milhões.

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Um outro detalhe é que, mesmo em meio à punição, o governo da Bahia seguiu licitando com a construtora baiana, por meio da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) e da própria Conder. No total, um contrato e seis aditivos contratuais foram firmados, que, somados, ultrapassam os R$ 50 milhões.

A BNews Premium deste domingo (1º) vem mostrar como um profundo atrito entre o governo baiano com uma ‘velha amiga’ desencadeou uma longa investigação contra a Ebisa, com direito à uma ferrenha disputa judicial em meio a rescisões contratuais consecutivas, danos ao erário e indícios de improbidade administrativa.

Falhas de segurança

Ceirf
Trabalhador sem a utilização de máscara, óculos e capacete, além de fardamento inadequado

As irregularidades que culminaram na sanção contra a Ebisa foram constatadas em 15 obras diferentes ligadas a quatro contratos, firmados em 2022, com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA). O objetivo era a manutenção predial preventiva e corretiva de delegacias, batalhões e complexos policiais (veja a lista completa dos locais mais abaixo), tanto na capital baiana como na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

A punição aplicada pela Secretaria de Administração (Saeb) atendeu a uma recomendação da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-BA). A Ebisa é a mesma empresa responsável pelas obras da nova Central de Flagrantes (foto em destaque) e do Complexo Policial do Parque Costa Azul, ambos em Salvador — que enfrentaram severos atrasos, o que também resultou no rompimento contratual.

A BNews Premium obteve acesso a diversos documentos que apontam as infrações. Um extenso relatório fotográfico, composto por mais de 70 imagens, registrou vários colaboradores sem botas, capacetes, luvas, óculos de proteção, máscaras e, em alguns casos até mesmo sem fardamento.

Ceirf
Colaborador está utilizando a cadeira para plataforma de execução do serviço

A auditoria foi elaborada pela Coordenação Executiva de Infraestrutura da Rede Física (Ceirf), repartição que compõe a SSP-BA, em parceria com a Wia Engenharia — empresa que é comumente contratada pelo governo da Bahia para fiscalizar obras executadas no estado. 

Após o relatório, sete ocorrências foram registradas pela Saeb englobando diversas irregularidades, como: má prestação dos serviços executados; paralisação e até mesmo abandono das atividades; além de descumprimento do prazo para execução estabelecido na Ordem de Serviço.

Confira todos as obras com irregularidades identificadas:

  • Manutenção da Corregedoria da Polícia Civil - Salvador
  • Manutenção na 40ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM) Nordeste de Amaralina - Salvador
  • Manutenção no Complexo dos Barris - Salvador
  • Manutenção complementar da 13ª GBM - Salvador
  • Manutenção no prédio da Corregedoria da PM - Salvador
  • Fase 2 da manutenção do Instituto de Criminalística Afrânio Peixoto (Icap), vinculado ao Departamento de Polícia Técnica (DPT) - Salvador 
  • Manutenção no pátio e área externa do DPT - Salvador
  • Manutenção complementar no Centro de Material Bélico (CMB) - Salvador
  • Manutenção complementar no Departamento de Pessoal da PM - Salvador
  • Manutenção no Pavilhão D e Pavilhão B da Vila Policial Militar do Bonfim - Salvador
  • Manutenção na 34ª Delegacia Territorial - Lauro de Freitas
  • Manutenção no Batalhão de Operações Especiais (Bope) - Lauro de Freitas
  • Manutenção no Comando do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) - Lauro de Freitas
  • Manutenção no 'Pavilhão B' do BPChoque - Lauro de Freitas
  • Manutenção no 'Rancho' do BPChoque - Lauro de Freitas
As vistorias tiveram como objetivo coletar as informações referentes a utilização do EPI por parte dos funcionários da empresa Ebisa. Durante a visita, foi possível constatar que ainda persiste o descumprimento da obrigatoriedade do uso de EPI. Ainda no decorrer da visita, foi possível constatar também um baixo efetivo de mão de obra", dizia o relatório.

Vale lembrar que o Grupo Ebisa é um parceiro de longa data do governo da Bahia, como também de diversas prefeituras baianas e até mesmo do governo federal. O conglomerado — controlado pelos empresários Marcelo da Costa e Silva Franco e Rafael Costa Meireles — está presente, atualmente, em nove estados brasileiros.

Dados consultados pela BNews Premium junto ao Portal de Transparência Bahia mostram que, por exemplo, entre 2012 e 2025, cerca de R$ 650 milhões foram gastos com a Ebisa em 30 contratos diferentes. 

Confira a lista completa de parceiros da empresa:

Ebisa

Reviravolta judicial

A punição de dois anos e meio não durou muito. Em 29 de abril, pouco mais de dois meses após ser decretada, a sanção caiu por terra após a Ebisa processar o governo da Bahia. Antes, a empresa havia impetrado um recurso junto à Sccretaria Estadual de Administração da Bahia (Saeb), recorrendo da decisão do governo baiano. O mecanismo, no entanto, foi indeferido no dia 4 de abril — também com base no aconselhamento da PGE-BA.

Após o recurso ser rejeitado pela gestão estadual, o contrutora recorreu à justiça baiana através de um mandado de segurança, mecanismo que visa proteger empresas que tiveram seus direitos ameaçados ou violados por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública. 

TJ-BA
Sede do Tribunal de Justiça da Bahia | Foto: Divulgação / TJ-BA

A liminar, que cita nominalmente a Saeb, a SSP-BA e a PGE-BA, foi deferida pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Com isso, o governo baiano se viu forçado a recuar. A PGE emitiu um parecer aconselhando a Saeb a revogar a sanção — o que foi acatado no dia 29 de abril.

No processo, a defesa da Ebisa alega que a decisão do governo da Bahia foi desproporcional, sem fundamentação e punitiva a diversos colaboradores, "podendo comprometer a continuidade das relações com os 674 colaboradores diretos, dentre os quais estão pedreiros, eletricistas e engenheiros".

A construtora baiana também alegou que o relatório construído pela SSP e Wia Engenharia — que embasou a punição —  possuía "graves vícios que comprometem sua validade probatória, nulidades evidentes, contradições internas, parcialidade e obscuridades na elaboração". A Ebisa afirmou que a Wia Engenharia se beneficiou da decisão por ter "herdado" os contratos.

Conforme confessado pela própria Wia Engenharia em seu relatório final, esta empresa vem assumindo gradativamente os contratos de manutenção predial anteriormente executados pela Impetrante, o que revela a sua parcialidade e reforça a necessidade de uma análise minuciosa sobre a imparcialidade e validade do referido relatório", afirmou a defesa da Ebisa.

No texto, a incorporadora ainda cita que que possui quase 30 contratos com a gestão estadual e que a "decisão não levou em consideração o reflexo da punição na continuidade e saúde financeira da empresa". No entanto, dados consultados pela BNews Premium junto ao Portal de Transparência Bahia mostram que existem apenas 10 contratos vigentes.

Governo
Governo da Bahia seguiu licitando com a Ebisa mesmo com a sanção de 30 meses em vigor | Foto: Divulgação/GOVBA

Contradição do governo da Bahia

A BNews Premium investigou que, mesmo diante da punição aplicada pela Saeb e rescisões contratuais, o governo da Bahia seguiu licitando com a Ebisa Engenharia por meio da Embasa e Conder — o que pode ser interpretado como improbidade administrativa. No total, um contrato e seis aditivos contratuais foram firmados, que, somados, ultrapassam os R$ 50 milhões.

A reportagem constatou que a Embasa contratou a Ebisa pelo valor de R$ 46,8 milhões no dia 25 de fevereiro — dez dias após a punição entrar em vigor — para executar as obras da segunda etapa complementar da ampliação do sistema integrado de abastecimento de água de Vitória da Conquista, no Sudoeste baiano.

Além disso, a Embasa aprovou dois aditivos para o mesmo contrato: um nos valores de R$ 812 mil e outro ampliando em 90 dias (três meses) um contrato firmado em julho de 2023 com o Consórcio Sistema Adutor — formado pela Heca Construtora e Ebisa Engenharia.

No caso da Conder foram quatro aditivos contratuais firmados. Chama atenção que esses acrréscimos, na ordem de R$ 3,2 milhões, ocorreram em meio aos rompimentos contratuais com a Ebisa — o que gerou o pagamento de R$ 15,9 milhões em rescisões.

A reportagem estratificou todas as rescisões, contratos e aditivos ocorridos durante a punição contra a Ebisa. Confira:

  • Contratações:

Embasa (25/02): obras da segunda etapa complementar da ampliação do Sistema Integrado de Abastecimento de Água (SIAA) de Vitória da Conquista. Valor: R$ 46,8 milhões.

  • Aditivos: 

Conder (20/03): acréscimo de R$ 3,2 milhões na construção e ampliação de quatro unidades escolares estaduais de tempo integral, localizadas nos municípios de Cordeiros, Maetinga, Rio do Antônio e Sebastião Laranjeiras.

Conder (25/03): prorrogação de 90 dias dos prazos para a construção e ampliação de quatro unidades escolares estaduais de tempo integral, localizadas nos municípios de Cordeiros, Maetinga, Rio do Antônio e Sebastião Laranjeiras.

Conder (28/03): prorrogação de 60 dias dos prazos de elaboração de projeto executivo e execução de obras de ampliação e reforma de unidades escolares em Salvador. 

Conder (04/04): prorrogação de 84 dias dos prazos para a construção e ampliação de quatro unidades escolares estaduais de tempo integral, localizadas nos municípios de Amargosa, Aratuípe e Jiquiriçá.

Embasa (16/04): acréscimo de R$ 812 mil na execução da fase 2 das obras complementares do sistema adutor de água tratada da Estação de Tratamento de Água (ETA) Principal do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Salvador. 

Embasa (24/04): prorrogação de 90 dias, novamente, para a execução da fase 2 das obras complementares do sistema adutor de água tratada da Estação de Tratamento de Água (ETA) Principal do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Salvador.

  • Rescisões: 

Conder (16/04): rescisão amigável do contrato para execução de serviços de melhorias da infraestrutura e obras civis nas edificações (comerciais e residenciais), no entorno de obras estruturantes (obras de implantação do corredor I - Linha Azul e Corredor II - Linha Vermelha), em Salvador. Valor pago à Ebisa: R$ 3,3 milhões.

Conder (17/04): rescisão amigável do contrato para execução de serviços de melhorias da infraestrutura e obras civis nas edificações (comerciais e residenciais), no entorno de obras estruturantes (obras de implantação do canal de Jaguaribe/Mangabeira e ligação entre Av. Paralela e Rua Artêmio Valente), em Salvador. Valor pago à Ebisa: R$ 2,1 milhões.

Conder (02/05)*: rescisão amigável do contrato de execução de serviços complementares de urbanização, infraestrutura e requalificação de vias urbanas na poligonal do Centro Antigo, em Salvador. Valor pago à Ebisa: R$ 10,3 milhões.

*Esse contrato foi rescindido quando a punição contra a Ebisa não estava mais em vigor. A Conder, em resposta à BNews Premium, afirmou que a rescisão ocorreu de forma "amigável" e que foi tomada porque não comprometeu a prestação do serviço, que foi absorvido por outras empresas que também atuam com obras de urbanização e infraestrutura na região. Vale lembrar que, apesar da sanção, o governo da Bahia não era obrigado a rescindir nenhum contrato — apenas não podia licitar com a construtora por 30 meses.

Central de Flagrantes
Obras da Central de Flagrantes, também de responsabilidade da Ebisa, inacabadas | Foto: Devid Santana / BNews

O que dizem os envolvidos 

A BNews Premium procurou a PGE-BA, SSP-BA, Saeb, Conder, Embasa e Ebisa para se posicionarem sobre o caso. Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública esclareceu que não possui mais contratos com a construtora, após detectar a ausência do uso de EPIs em contratos firmados com a pasta.

A SSP-BA ainda informou que as obras da Central de Flagrante e do Complexo do Costa Azul — que também eram de responsabilidade da Ebisa — passam por análise técnica com o "objetivo atestar o estágio das estruturas e determinar quais medidas serão adotadas para conclusão e entrega dos novos equipamentos policiais".

Já Saeb afirmou que a Ebisa sofreu sanção de impedimento de licitar e contratar com o Estado, pelo período de 30 meses, em virtude de infrações detectadas na execução de quatro contratos (17/2022, 22/2022, 38/2022 e 75/2022), após a verificação in loco constatar falta de uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) pelos operários que trabalhavam nos canteiros de obra.

Vale ressaltar que o procedimento de apuração dos fatos foi conduzido pela SSP, analisado pela Secretaria da Administração e referendado pela PGE. Importante acrescentar que o prazo da punição foi o resultado cumulativo de irregularidades detectadas em quatro contratos distintos", afirmou a Saeb.

Também por meio de nota enviada à BNews Premium, a Embasa esclareceu que a restrição à contratação da empresa Ebisa só foi registrada no portal ComprasnetBA — portal de compras e licitações do governo da Bahia — em 4 de abril, após indeferimento do recurso administrativo interposto pela empresa.

Vale lembrar que, no Estado da Bahia, a publicação da sanção no portal só é feita após o fim do prazo recursal aberto para a empresa se manifestar no processo. Em 25 de fevereiro, quando a Embasa assinou contrato para a segunda etapa da Ampliação do sistema integrado de abastecimento de água de Vitória da Conquista, não havia restrição à empresa Ebisa no portal ComprasnetBA", afirmou a Embasa.

A empresa ainda explicou que, em abril, logo após constatar essa restrição, iiniciou processo interno para suspender a contratação, que só foi retomada novamente após a retirada da restrição do portal ComprasnetBA. Já com relação aos aditivos contratuais, a Embasa explicou que está amparada pela lei.

A legislação prevê que o impedimento afeta novas contratações e renovações de contratos, não falando sobre aditivos que versam sobre alterações qualitativas, quantitativas ou de prazo. O entendimento é que esses aditivos visam a atualização das condições pactuadas originalmente no contrato já em vigor, portanto não se aplica a restrição à contratação", informou a Embasa.

A Conder declarou que todos os contratos mantidos ou aditivados respeitam o regramento jurídico sobre Licitações e Contratos Administrativos. Ainda segundo a companhia, mesmo com a rescisão amigável do contrato que envolviam as obras no Centro Antigo, o encerramento dos outros vínculos com a EBISA comprometeriam o andamento de obras importantes e de cunho social, "a exemplo da construção de novas escolas de tempo integral". "Por esse motivo, esses contratos foram mantidos, já que estão em conformidade com a Lei de Licitações", destaca.

A BNews Premium questionou reiteradas vezes a Ebisa sobre as inúmeras irregularidades encontradas pelo governo da Bahia em diversas obras junto à SSP. No entanto, assim como da PGE-BA, nenhuma resposta foi enviada até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto e a matéria será atualizada em caso de manifestação futura.

Fonte:BNEWS

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