O grupo suspeito de executar um “sofisticado mecanismo de lavagem de dinheiro” —descrição feita pela Polícia Federal, que investiga um esquema de saques em espécie a partir de contratos com o Governo do Pará, incluindo obras da COP30— tinha influência junto ao comandante-geral da PM e a dois secretários da gestão de Helder Barbalho (MDB), segundo documentos da PF sobre a investigação.
A polícia suspeita que integrantes do grupo levaram R$ 180 mil em espécie a reuniões que ocorreram na Alepa (Assembleia Legislativa do Pará) em 2024.
O grupo é composto por policiais armados, sob a coordenação do coronel da PM do Pará Francisco de Assis Galhardo e sob a liderança do deputado federal Antonio Leocádio dos Santos, o Antônio Doido (MDB-PA), conforme a PF.
Um inquérito foi aberto no STF (Supremo Tribunal Federal) —em razão do foro privilegiado do parlamentar— para investigar a suposta organização criminosa.
A PF detectou saques de R$ 48,8 milhões em espécie em um ano, a partir das contas de uma empreiteira que recebeu R$ 633 milhões do governo de Barbalho de 2020 a 2024.
O coronel Galhardo foi o responsável pelos saques, segundo a polícia. A empresa é a J A Construcons, que tem como sócia formal Andrea Costa Dantas, mulher de Antônio Doido.
Entre os contratos assinados pela empreiteira com o Governo do Pará, está um no valor de R$ 123,4 milhões para execução de obras de infraestrutura em dois canais e em uma rua em bairros de Belém, no contexto da COP30, conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que será realizada na capital paraense em novembro.
Em nota, o Governo do Pará afirmou que todas as contratações estaduais seguem “rigorosamente” os processos licitatórios e observam princípios constitucionais como legalidade e impessoalidade.
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financia as obras nos canais –de Benguí e de Marambaia– e na rua das Rosas, no valor de R$ 107 milhões. Segundo o banco, obras do tipo são licitadas e executadas exclusivamente pelo governo estadual, sem participação do BNDES.
Documentos produzidos pela PF detalham acessos de integrantes do grupo investigado a setores estratégicos do governo de Barbalho.
Conforme trocas de mensagens de WhatsApp analisadas pela PF, Galhardo tratava de movimentação, nomeação e distrato de policiais militares diretamente com o comandante-geral da PM do Pará, José Dilson Melo Júnior. Galhardo agiria em nome de Antônio Doido, conforme as investigações.
As conversas tratavam de punição a policial que fazia bicos para uma vereadora adversária do grupo político, de nomeação de comandante em pelotão, de remoção de policiais civis e de alocação de PMs para trabalho político-eleitoral a serviço de Doido, citam relatórios da PF.
Sobre um pedido de nomeação no interior do estado, o comandante responde, conforme transcrição feita pela PF: “Ele já combinou com o prefeito? Se não tiver combinado, melhor falar com o 01”.
Em outra conversa, Galhardo enviou vídeos de abordagens feitas por policiais em uma cidade do interior, atos que estariam a serviço de um político adversário de Doido.
“Ele pediu pro senhor analisar a possibilidade de pedrar os dois”, escreveu o coronel, conforme transcrição feita pela PF. “Pedrar” seria transferir os policiais para uma cidade distante, segundo a investigação. “Posso instaurar um procedimento, mas só vai poder ter efeito após as férias de um deles”, respondeu o comandante.
Existe complacência do comandante em relação aos pedidos, cujas finalidades são “avessas ao interesse público”, conforme análise feita por policiais federais.
“A PM do Pará esclarece que movimentações de efetivo seguem critérios de recomposição, aposentadorias ou afastamentos por problemas de saúde”, disse o governo do estado, em nota. “O coronel Galhardo foi preso e responde em liberdade a processo judicial, atendendo à determinação judicial”.
A reportagem não localizou Galhardo nem a sua defesa.
O deputado Antônio Doido e a mulher, Andrea Dantas, não responderam aos questionamentos da reportagem, nem o advogado indicado para dar as respostas.
Relatório da PF aponta proximidade entre Galhardo e o secretário estadual de Obras Públicas, Benedito Ruy Cabral.
Cabral é quem assina os contratos relacionados à COP30, além dos demais contratos de obras de infraestrutura no estado. O secretário firmou, por exemplo, o contrato com o consórcio integrado pela J A Construcons para obras em canais relacionadas à COP30. Do lado das empresas, Andrea Dantas assinou.
Conforme relatório da PF, o coronel da PM tentou fazer a entrega de algo a Cabral pelo banco de trás de um carro, “após sacar milhões de reais”. Mensagens e registros de chamadas telefônicas aparentam “estreita relação entre eles”, diz a polícia.
O Governo do Pará afirmou que o secretário não mantém qualquer relação com o coronel da PM e que não houve nenhum encontro “com interesse escuso”. “O secretário atende a diversos setores da administração pública, bem como a todo e qualquer cidadão que o procura, sempre de forma estritamente institucional”.
A PF diz ainda que Galhardo levou ao secretário estadual de Administração Penitenciária, o também coronel da PM Marco Antonio Sirotheau, um pedido do deputado Antônio Doido para que a transferência de um detento –preso em Castanhal (PA)– fosse evitada.
“Eu já mandei checarem aqui. Se estiver ainda no regime fechado, dá para manter lá”, respondeu o secretário, conforme transcrição da PF.
O Governo do Pará disse que a transferência foi efetivamente realizada, após avaliação regular. “Prevaleceram os critérios institucionais que orientam todas as decisões da área”.
A PF afirma que Galhardo retirou valores em espécie de uma casa lotérica, dinheiro que seria destinado a uma reunião na Alepa no dia seguinte. Pelo menos R$ 180 mil foram levados a reuniões na Assembleia, com a provável presença de Doido, suspeita a PF.
Vinicius Sassine/Folhapress
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