
O Tribunal de Contas da União (TCU) instaurou uma investigação, em caráter de urgência, para apurar irregularidades no Programa Pé-de-Meia. A decisão do último dia 27 de agosto, ocorreu após denúncias de que em municípios da Bahia, do Pará e de Minas Gerais teriam mais beneficiários do que o total de estudantes matriculados.
A BNews Premium obteve acesso a documentos que apontam as irregularidades. O Pé-de-Meia funciona como uma poupança, com a possibilidade de saques mensais. Considerando todos os repasses, os valores podem chegar a R$ 9.200 por aluno.
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Em 22 de janeiro, esse mesmo TCU havia bloqueado mais de R$ 6 bilhões destinados ao Pé-de-Meia por considerar que o dinheiro saiu do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), que não estava previsto no Orçamento da União — o que foi interpretado como pedalada fiscal pela oposição, se tornando instrumento de pressão.
No entanto, menos de um mês depois, no dia 12 de fevereiro, a Corte voltou atrás, ao passo que determinou um prazo de 120 dias para que o governo federal fizesse a adequação orçamentária do projeto voltado à contenção da evasão escolar — e uma das principais vitrines do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Pé-de-meia nos holofotes
Na Bahia, o município de Riacho de Santana, no Sudoeste baiano, deixou uma 'pulga atrás da orelha' do TCU. Conforme dados do Ministério da Educação (MEC), 1.231 alunos receberam os incentivos do programa.
No entanto, documentos da Corte de Contas mostram que Secretaria de Educação (SEC) registra apenas 1.024 matrículas no ensino médio. A diferença de mais de 200 nomes levanta suspeitas sobre inconsistência dos cadastros. Também foram constatadas irregularidades em Porto de Moz, no Pará, e Natalândia, em Minas Gerais.
Dados consultados pela reportagem junto ao Portal da Transparência do governo federal mostram que, entre janeiro de 2024 e janeiro deste ano, mais de R$ 3,1 milhões foram repassados a Riacho de Santana. Contudo, não há registros de repasses nos meses seguintes, mesmo o TCU tendo liberado as cifras do Pé-de-Meia ainda em fevereiro.
A BNews Premium tentou contato com a prefeitura de Riacho de Santana e com o MEC. No entanto, nenhum posicionamento foi enviado até a publicação desta reportagem. Em ambos casos o espaço segue aberto e a matéria será atualizada diante de eventual manifestação futura.
Confira abaixo a tabela com os valores recebidos por Riacho de Santana entre janeiro de 2024 e janeiro de 2025:
Ofensiva da oposição
O pedido de investigação partiu da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara (CFFC), presidida pelo deputado federal baiano Bacelar (PV-BA). A ofensiva tem peso político: o governo Lula aposta no Pé-de-Meia como bandeira social, e qualquer sombra de irregularidade pode virar munição da oposição.
E não se trata de um programa pequeno. Em pouco mais de um ano, o Pé-de-Meia já movimentou R$ 12,5 bilhões no ano passado e atingiu um total de 4 milhões de beneficiários, conforme informado pelo MEC.
O volume bilionário, custeado pelo Fundo de Incentivo à Permanência no Ensino Médio (Fipem), e os indícios de irregularidade têm sido instrumentalizados por membros do Congresso que fazem oposição ao governo Lula para pressionar o TCU a dar respostas rápidas sobre a lisura do programa.
A BNews Premium obteve acesso aos extratos do Fipem referente aos anos de 2024 e 2025 junto à Caixa Econômica Federal. Mesmo em meio aos holofotes do TCU, o fundo terminou todos os meses com dinheiro em caixa, em alguns deles até com superávit. Confira:
Embora a Corte ressalte que esses casos têm "baixa materialidade", a simples existência de sobreposição reforça as dúvidas sobre a eficiência dos controles. O MEC defende que adota um sistema de segurança em três camadas: cruzamento de dados com o CadÚnico, dupla checagem antes do pagamento e validação final dos CPFs.
Apesar disso, auditores do TCU já encontraram inconsistências pontuais, como beneficiários que acumulam o Pé-de-Meia com o Bolsa Família, em tese proibido pela lei. Confira abaixo o moddus operandi adotado pelo MEC para coibir fraudes:
- Nível 1: A verificação inicial da elegibilidade ocorre no Sistema de Gestão Presente (SGP). Nessa etapa, o sistema realiza um cruzamento automático entre os dados enviados pelos sistemas de ensino e as informações do CadÚnico. Para assegurar a veracidade das informações do estudante, são comparadas três variáveis: nome, data de nascimento e CPF. Se houver divergência em qualquer um desses critérios, a elegibilidade será classificada como ‘indefinida’, impedindo o recebimento do benefício até que os dados sejam regularizados.
- Nível 2: Após a geração da folha de pagamento, realiza-se um segundo nível de verificação, denominado dupla checagem, no qual a folha é cruzada com a base do CadÚnico e os dados atualizados do SGP. Esse processo confirma a elegibilidade, garantindo que apenas estudantes com CPF válido, idade compatível e matrícula ativa sejam incluídos no pagamento.
- Nível 3: após receber a folha de pagamento, a Caixa Econômica Federal (CEF) realiza verificações sobre a situação do CPF do titular da conta, considerando informações provenientes da Receita Federal. Os CPFs que possuam situação diferente de regular ou titular falecido, são rejeitados na etapa de verificação e o crédito do benefício não é efetivado. Ao final do processo de pagamento, a situação é reportada ao MEC por meio de folha de retorno.
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