A crise na Venezuela e a ofensiva dos Estados Unidos, de Donald Trump, na região colocaram os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Javier Milei, da Argentina, em lados opostos na cúpula do Mercosul, neste sábado (20), em Foz do Iguaçu.
Lula, que foi o primeiro dos líderes sul-americanos a discursar, afirmou que uma intervenção armada na Venezuela seria catastrófica e configuraria um precedente perigoso. Já Milei exaltou a pressão dos americanos sobre o regime de Nicolás Maduro, classificada por ele como uma ditadura atroz.
As declarações de Lula e de Milei foram feitas dias após Trump determinar o bloqueio de navios petroleiros sob sanção americana próximos da Venezuela.
A ação de Trump é considerada mais um passo para uma guerra contra o país sul-americano, liderado por Maduro. Militares dos EUA têm feito ataques a embarcações em águas próximas à Venezuela.
"Os limites do direito internacional estão sendo testados. Uma intervenção armada na Venezuela seria uma catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo", disse Lula.
O petista também citou o conflito entre Argentina e Reino Unido pelas Ilhas Malvinas, de abril a junho de 1982. "Passadas mais de quatro décadas desde a Guerra das Malvinas, o continente sul-americano volta a ser assombrado pela presença militar de uma potência extrarregional", afirmou.
Na direção oposta ao discurso de Lula, o presidente da Argentina condenou o que chamou de experimento autoritário na Venezuela e manifestou seu apoio à postura de Trump.
"A Venezuela continua sofrendo de uma crise política, humanitária e social devastadora. A ditadura atroz e desumana do narcoterrorista Nicolás Maduro amplia uma sombra escura sobre nossa região. Esse perigo e essa vergonha não podem continuar existindo no nosso continente", afirmou.
"A Argentina saúda a pressão dos EUA e de Donald Trump para libertar o povo venezuelano. O tempo de ter uma abordagem tímida nessa matéria se esgotou", acrescentou.
Trump tem escalado a retórica e as ações contra a Venezuela nos últimos meses. A definição de quais petroleiros estão sob sanção, por exemplo, é pouco clara. Na prática, a medida deve impedir a entrada ou saída de águas venezuelanas de quase todos os cargueiros de petróleo não ligados à americana Chevron.
As autoridades venezuelanas protestam. O regime do país latino-americano classificou de "ameaça grotesca" o bloqueio dos navios.
No último dia 11, o governo Trump capturou no Caribe o petroleiro "Skipper", cargueiro de bandeira da Guiana que saía de um porto venezuelano carregado de petróleo, sob acusação de que o navio fazia comércio com o Irã, país sob sanção dos EUA.
Em seguida, as exportações de petróleo da Venezuela despencaram, e navios com pelo menos 11 milhões de barris estão parados na costa do país.
Donald Trump também classificou a ditadura de Maduro de organização terrorista internacional, o que abre caminho para ataques diretos contra a Venezuela.
O presidente dos EUA tem poderes amplos para atacar membros ou bases de grupos terroristas sem precisar pedir autorização do Congresso —a Constituição americana determina que somente o Legislativo tem poder de declarar guerra.
Lula é historicamente próximo do chavismo, mas se afastou do regime venezuelano recentemente. O distanciamento ganhou tração em 2024, depois de o país realizar uma eleição que reconduziu Maduro a um terceiro cargo sob acusações de fraude feitas pela oposição e por líderes internacionais.
O presidente brasileiro é contrário ao aumento da presença militar estrangeira na América Latina. Outros líderes do continente, porém, têm alinhamento maior às ações americanas contra a Venezuela.
Um exemplo é o recém-eleito presidente do Chile, José Antonio Kast. Ele afirmou na última semana que Maduro é um narcoditador, em um discurso que se aproxima da retórica de Donald Trump.
A cúpula em Foz do Iguaçu, que encerra a presidência rotativa brasileira no bloco, contou com a presença dos presidentes da Argentina, Javier Milei, do Paraguai, Santiago Peña, e do Uruguai, Yamandú Orsi.
Recém-empossado, o presidente da Bolívia, Rodrigo Paz, não participou do evento e foi representado pelo chanceler Fernando Aramayo Carrasco. Por outro lado, esteve presente o presidente do Panamá, José Raúl Mulino –país que formalizou no fim de 2024 sua entrada como membro associado no bloco sul-americano.
De acordo com interlocutores com conhecimento das discussões, sob condição de anonimato, as delegações dos governos de Javier Milei e de Santiago Peña quiseram inserir na declaração de líderes negociada pelo bloco sul-americano uma referência às violações de direitos humanos e à falta de democracia no país do ditador Nicolás Maduro.
Ambos os países são aliados de Trump, e têm apoiado a estratégia americana de aplicar pressão máxima contra o regime Maduro. O Brasil entende que o tipo de linguagem defendida por Argentina e Paraguai não contribui para solucionar a crise na região e defende que é preciso ser cuidadoso para não legitimar uma possível intervenção estrangeira na Venezuela.
Por Caio Spechoto/Nathalia Garcia/Folhapress
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