Integrantes da cúpula do Senado têm demonstrado descontentamento com a tramitação tumultuada do projeto de lei Antifacção, que a Câmara aprovou na terça-feira (19). A análise predominante é a de que a discussão entre deputados teve contaminação política excessiva, mas ainda assim a proposta deve ter andamento.
A expectativa é que o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), não imponha obstáculos ao projeto, que tem forte apelo popular. A tendência, porém, é que a proposta passe ao menos por uma das comissões temáticas, em etapa preliminar de tramitação.
Os senadores ainda não receberam o texto aprovado pela Câmara. A velocidade de tramitação no Senado dependerá de como a redação final dos deputados for avaliada pelos senadores.
Alguns dos trechos mais controversos defendidos pelo relator na Câmara, Guilherme Derrite (PP-SP), não chegaram a ser aprovados, mas o desgaste político causado por essas ideias persiste. Os pontos apontados à reportagem como causas principais de desgaste e de contaminação política foram:
Polícia Federal – investigações da corporação precisariam ser comunicadas a autoridades estaduais. O relator decidiu retirar esse trecho do texto após ser alvo de críticas;
Perdimento de bens – o projeto enviado pelo governo facilitava o confisco de patrimônio suspeito de ter origem ilícita. Derrite ensaiou colocar entraves ao processo, mas recuou
Terrorismo – Derrite sugeriu incluir organizações criminosas sob as regras de combate ao terrorismo. Também foi alvo de críticas e de recuo.
A polarização política causada pelo projeto foi tanta que Davi Alcolumbre tomou uma atitude inusual. Ele escolheu e anunciou o relator do projeto no Senado horas antes de a proposta ser aprovada por deputados. O posto será ocupado por Alessandro Vieira (MDB-SE).
Vieira não tem alinhamento automático nem com governo nem com oposição, o que reduz margens para questionamento de ambos os lados. Além disso, o presidente do Senado quis encerrar uma disputa que estava se instalando na Casa pelo posto de relator do projeto.
"O senador Flávio Bolsonaro, assim como senador [Sergio] Moro e outros senadores, me solicitaram para que eles pudessem relatar essa matéria", disse Alcolumbre no plenário do Senado na terça-feira. "Eu gostaria de proteger esse projeto do debate que nós estamos vivenciando infelizmente na Câmara dos Deputados entre situação e oposição", declarou.
Apesar de não ser governista, Vieira tem a simpatia de aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o trabalho. O motivo é o contraste com Derrite, o relator escolhido pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para a primeira etapa de tramitação no Congresso.
Derrite é do grupo oposicionista mais vocal a Lula. Ele se licenciou da secretaria de Segurança Pública de São Paulo para ser o relator. É cotado para disputar uma vaga no Senado pelo campo bolsonarista. Foi indicado ao governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), pelo núcleo duro do bolsonarismo.
O aliado de Tarcísio apresentou seis versões diferentes de seu relatório e expôs a disputa política entre governo e oposição em torno da segurança pública. Lulismo e bolsonarismo têm propostas quase opostas para a área, que deve ser um dos principais temas das eleições do ano que vem.
O tema ganhou importância depois da operação policial que terminou com 121 mortos no Rio de Janeiro. A ação ganhou apoio do eleitorado e animou políticos de direita.
Aliados de Lula avaliam que o projeto antifacção do governo foi desfigurado e querem retomar o máximo possível da proposta original na tramitação no Senado. Um dos pontos mais sensíveis foi uma mudança que retira recursos do governo federal na área de segurança e os destina aos Estados.
A bancada governista é majoritária no Senado, o que facilita uma retomada. Líderes ouvidos pela reportagem avaliam, porém, que a relação entre o Executivo e o Senado está em um momento mais frio por causa da decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de indicar o advogado-geral da União, Jorge Messias, para o STF (Supremo Tribunal Federal) em vez do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A expectativa dos senadores mais influentes é que o projeto tenha análise prévia da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e, talvez, da CSP (Comissão de Segurança Pública) antes de chegar ao plenário para uma votação final.
O caminho nas comissões é importante por causa de seus presidentes e suas composições. Otto Alencar (PSD-BA), que comanda a CCJ, é aliado de Lula. Flávio Bolsonaro (PL-RJ), um dos expoentes da oposição, comanda a CSP. O segundo colegiado tem como integrantes alguns dos opositores mais vocais do governo, o que tende a favorecer mudanças no projeto contra a vontade do Planalto caso o texto passe por lá.
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